quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Valores éticos e morais na atuação parlamentar

As recentes eleições dos novos dirigentes do parlamento brasileiro receberam enorme destaque por parte mídia. Essas coberturas, em geral, tinham como pano de fundo fatos que envolviam os dois principais candidatos a possíveis desvios nos campos éticos e morais. Sem entrar no mérito das acusações — as quais estão sendo analisadas nos âmbitos do Ministério Público e do Poder Judiciário — merece maior reflexão o teor do discurso feito pelo novo presidente do Senado Federal, pouco antes da sua eleição.
Eleito com 56 votos dos seus pares, o que equivale a 71% do total dos senadores, ele retornou seis anos depois ao cargo ao qual renunciou, após ter sido alvo de denúncias de corrupção, acusado de ter parte de suas despesas pessoais custeadas por uma empreiteira. A renúncia, segundo noticiado na ocasião, fez parte de um acordo político que impediu possível cassação do seu mandato.
É relevante destacar no pronunciamento a afirmação de que “a ética não é objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o Brasil, é o interesse nacional”, sintetizando que a “ética é meio, não é fim.” Considerando as distorções contidas nessa afirmação, visto que ética e política interagem de forma permanente, há questões relevantes que envolvem a compreensão da ética e da moral. A ética é obrigação da nação, por ser princípio indispensável na construção de uma sociedade democrática e justa.
Filósofos e pensadores, em distintos períodos da história, trataram especificamente dos temas relacionados com a ética e com a moral — os pré-socráticos, Aristóteles, os estoicos, os pensadores cristãos: patrísticos, escolásticos e normalistas, Kant, Espinoza, Nietzsche, Paul Tillich. A reflexão que o indivíduo deve fazer na busca de responder à pergunta “como devo atuar ante os outros” é o ponto inicial da discussão. Assim, a questão fundamental da moral e da ética trata da vida em sociedade, o que permite que o ser humano conviva com os outros, tendo por referência um conjunto de regras e valores que guiam a conduta.
A ética, que pode ser aceita como conjunto de princípios que orientam a atuação do homem, quando estudada no âmbito da gestão pública, apresenta profunda integração com a relação que existe entre o Estado e a sociedade. Sua relevância fica mais nítida quando envolve o exercício da cidadania. Nesse sentido, é importante assinalar as diferenças básicas: a ética é um princípio; a moral trata sobre os aspectos de condutas especificas. A ética persiste, a moral é passageira; a ética é universal, a moral é cultural; a ética é uma norma, a moral é uma conduta da norma; e a ética é teoria, a moral é prática.
A partir dessas distinções, é importante que os governantes, os políticos e os empresários procurem aprofundar mais a compreensão sobre o tema – a ética – que deve ser praticada sem distinções, de forma sistemática, por todos os indivíduos numa sociedade. A prática da ética é dever básico dos que governam ou representam a nação, em particular, na atuação parlamentar, visto que sua prática é essencial para legitimar a instituição parlamento junto à sociedade.
Feitas essas considerações, conclui-se que, tanto do ponto de vista filosófico quanto político, a afirmação do presidente do Senado Federal de que “a ética é meio, não é fim”, é uma afirmação completamente extemporânea e equivocada. A ética constitui a base, ou seja, o alicerce indispensável da nossa convivência em sociedade. A ética não é negociável, nem pode ser elástica, na medida da conveniência de cada indivíduo, empresas, partidos políticos ou governos. A sua prática, sem subterfúgios, é fundamental para a sobrevivência das instituições, do governo, da administração pública e do Estado democrático de direito.
 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Vale Apena relembrar - A Internacionalização do Mundo - Cristóvão Buarque

A Internacionalização do Mundo - Cristóvão Buarque

Fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia, durante um debate, nos Estados Unidos. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha. De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia.

Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia é para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da humanidade.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela 

vontade de um dono, ou de um país.

Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, possa ser manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada.
Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola.
Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.