segunda-feira, 5 de maio de 2014

A síndrome de Weimar na Rússia

Um sentimento de humilhação nacional, baseado na verdade ou não, é um catalisador de violência

Roger Cohen
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Serguei Karaganov, especialista em política externa russa da Escola Superior de Economia, em Moscou, escreveu um artigo esclarecedor sobre o sentimento de humilhação e cerco que seu vasto país vive. E porque explosões de fervor nacionalista, como a fomentada por Vladimir Putin, são perigosas e demoram para arrefecer, vale a pena citar um bom trecho.
“A ruptura foi ocasionada pela recusa do Ocidente em encerrar a Guerra Fria de fato e de direito”, escreveu Karaganov. “O Ocidente tem expandido a zona de influência militar, econômica e política através da Otan, e os interesses e objeções russos foram completamente ignorados. A Rússia foi tratada como potência derrotada, embora não vejamos a nós mesmos como derrotados. Uma versão soft do Tratado de Versalhes foi imposta ao país. Não houve anexações de territórios ou reparações formais como na Alemanha, após a Primeira Guerra, mas à Rússia foi dito de forma inequívoca que o país iria desempenhar um papel modesto no mundo. Esta política foi responsável por engendrar uma espécie de síndrome de Weimar numa grande nação, cuja dignidade e interesses foram pisoteados.”
O país que se discute aqui é o maior do mundo, uma potência euroasiática cujo império comunista se estendeu por mais de quatro décadas após a Segunda Guerra, submetendo povos à opressão, ao envenenamento da alma pela regras totalitaristas, sob um regime de coerção e confinamento. O império abarrotado de gulags era um universo de trituração, uma “conspiração do silêncio”, nas palavras do poeta Czeslaw Milosz, onde “uma palavra de verdade soa como um tiro de pistola”.
E agora? Um sentimento de humilhação nacional, baseado na verdade ou não, é um catalisador de violência. Como na Alemanha de Weimar, onde reparações e concessões criaram um estado de espírito explosivo. Ou na Sérvia: a febre cegante martelada por Slobodan Milosevic pela reafirmação da grandeza sérvia, que resultou na devastação de seus quinta-colunas na Bósnia. O recrudescimento nacionalista de Putin é a máscara para todos os problemas — corrupção, Judiciário cooptado, imprensa intimidada, economia que falhou em se diversificar — mas não menos virulenta por isso.
Diante desta Rússia assertiva, nada seria mais perigoso do que a fraqueza americana. O compromisso de uma resposta militar conjunta a qualquer ataque a um aliado é fundamental. Os tratados com os Estados Unidos devem ser palavras de verdade que soam “como um tiro de pistola”, ou um violento caos poderia se espalhar muito além do Leste da Ucrânia.

Fonte: O globo

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